13 de junho de 2010
Marina Colasanti, jornalista e escritora que retrata o feminino com orgulho, amor e muito profissionalismo.
"A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma. " Marina Colassanti (1937)
BIOGRAFIA
Marina Colasanti (Sant'Anna) nasceu em 26 de setembro de 1937, em Asmara (Eritréia), Etiópia. Viveu sua infância na África (Eritréia, Líbia). Depois seguiu para a Itália, onde morou 11 anos. Chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de Janeiro, onde reside desde então. Possui nacionalidade brasileira e naturalidade italiana.
Entre 1952 e 1956 estudou pintura com Catarina Baratelle; em 1958 já participava de vários salões de artes plásticas, como o III Salão de Arte Moderna. Nos anos seguintes, atuou como colaboradora de periódicos, apresentadora de televisão e roteirista.
Ingressou no Jornal do Brasil em 1962, como redatora do Caderno B, desenvolveu as atividades de: cronista, colunista, ilustradora, sub-editora, Secretária de Texto. Foi também editora do Caderno Infantil do mesmo jornal. Participou do Suplemento do Livro com numerosas resenhas.
No mesmo período editou o Segundo Tempo, do Jornal dos Sports. Deixou o JB em 1973.
Assinou seções nas revistas: Senhor, Fatos & Fotos, Ele e Ela, Fairplay, Claudia e Jóia.
Em 1976 ingressou na Editora Abril, na revista Nova da qual já era colaboradora, com a função de editora de comportamento.
De fevereiro a julho de 1986 escreveu crônicas para a revista Manchete.
Deixa a Editora Abril em 1992, como editora especial, após uma breve permanência na revista Claudia, tendo ganho três Prêmios Abril de Jornalismo.
De maio de 1991 a abril de 1993 assinou crônicas semanais no Jornal do Brasil.
De 1975 até 1982 foi redatora na agência publicitária Estrutural, tendo ganho mais de 20 prêmios nesta área.
Atuou na televisão como entrevistadora de Sexo Indiscreto - TV Rio, e
e entrevistadora de Olho por Olho - TV Tupi.
Na televisão foi editora e apresentadora do noticiário Primeira Mão -TV Rio, 1974; apresentadora e redatora do programa cultural Os Mágicos -TVE, 1976; âncora do programa cinematográfico Sábado Forte -TVE, de 1985 a 1988; e âncora do programa patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura, Imagens da Itália- TVE, de 1992 a 1993.
Em 1968, foi lançado seu primeiro livro, Eu Sozinha; desde então, publicou mais de 30 obras, entre literatura infantil e adulta. Seu primeiro livro de poesia, Cada Bicho seu Capricho, saiu em 1992. Em 1994 ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia, por Rota de Colisão (1993), e o Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil, por Ana Z Aonde Vai Você?. Suas crônicas estão reunidas em vários livros, dentre os quais Eu Sei, mas não Devia (1992) que recebeu outro prêmio Jabuti, além de Rota de Colisão igualmente premiado.
Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Dentre outros escreveu E por falar em amor; Contos de amor rasgados; Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento.
Colabora, atualmente, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna com quem teve duas filhas: Fabiana e Alessandra.
Em suas obras, a autora reflete, a partir de fatos cotidianos, sobre a situação feminina, o amor, a arte, os problemas sociais brasileiros, sempre com aguçada sensibilidade.
OBRAS
Eu sozinha (1968)
Nada na Manga - crônicas (1975)
Zoológico - Contos (1975)
A morada do ser - contos (1978)
Uma idéia toda azul - contos de fadas (1979)
A Nova Mulher - coletânea de artigos (1980)
Mulher Daqui Prá Frente - coletânea de artigos (1981)
Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento - contos de fadas (1982)
A menina Arco-Iris - infantil (1984)
E por falar em amor - ensaio (1984)
O Lobo e o Carneiro no Sonho da Menina - infantil (1985)
Uma Estrada junto ao Rio - infantil (1985)
O Verde Brilha no Poço - infantil (1986)
Contos de Amor Rasgados - contos (1986)
O menino que achou uma estrela - infantil (1988)
Um amigo para sempre - infantil (1988)
Aqui entre nós - coletânea de artigos (1988)
Será que tem asas? - infantil (1989)
Ofélia a ovelha - infantil (1989)
A mão na massa - infantil (1990)
Intimidade pública - coletânea de artigos (1990)
Agosto 91, Estávamos em Moscou (1991)
Entre a espada e a rosa - contos de fadas (1992)
Ana Z, Aonde vai você? - juvenil (1993)
Rota de Colisão - poesia (1993)
Um amor sem palavras - infantil (1995)
O homem que não parava de crescer - juvenil (1995)
De Mulheres sobre tudo - citações (1995)
Eu sei mas não devia - (1997)
Gargantas abertas - poesia (1998)
O Leopardo é um animal delicado - contos (1998)
Um espinho de marfim e outras histórias - antologia de contos de fada (1999)
Esse amor de todos nós - coletânea de textos (2000)
TEXTOS
Às seis da tarde
Ás seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução
Eu Sou uma Mulher
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d'água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua
Vincent
Ciprestes de Van Gogh
imóveis labaredas
verdes incêndios sobre a tela
verdes mulheres nuas
em seus cabelos.
Ciprestes de Van Gogh
bizantinas colunas
da paisagem
vórtice
remoinho erguido
como o grito
o fallus
o arremesso de gozo
do pintor.
Dois contos:
Um espinho de marfim
Amanhecia o sol e lá estava o unicórnio pastando no jardim da Princesa. Por entre flores olhava a janela do quarto onde ele vinha cumprimentar o dia. Depois esperava vê-la no balcão, e, quando o pezinho pequeno pisava no primeiro degrau da escadaria descendo ao jardim, fugia o unicórnio para o escuro da floresta.
Um dia, indo o Rei de manhã cedo visitar a filha em seus aposentos, viu o unicórnio na moita de lírios.
Quero esse animal para mim. E imediatamente ordenou a caçada.
Durante dias o Rei e seus cavaleiros caçaram o unicórnio nas florestas e nas campinas. Galopavam os cavalos, corriam os cães e, quando todos estavam certos de tê-lo encurralado, perdiam sua pista, confundindo-se no rastro.
Durante noites o rei e seus cavaleiros acamparam ao redor de fogueiras ouvindo no escuro o relincho cristalino do unicórnio.
Um dia, mais nada. Nenhuma pegada, nenhum sinal de sua presença. E silêncio nas noites.
Desapontado, o rei ordenou a volta ao castelo. E logo ao chegar foi ao quarto da filha contar o acontecido. A princesa penalizada com a derrota do pai, prometeu que dentro de três luas lhe daria o unicórnio de presente.
Durante três noites trançou com fios de seus cabelos uma rede de ouro. De manhã vigiava a moita de lírios do jardim. E no nascer do quarto dia , quando o sol encheu com a primeira luz os cálices brancos, ela lançou a rede aprisionando o unicórnio.
Preso nas malhas de ouro, olhava o unicórnio aquela que mais amava, agora sua dona, e que dele nada sabia.
A princesa aproximou-se. Que animal era aquele de olhos tão mansos retido pela artimanha de suas tranças? Veludo do pelo, lacre dos cascos, e desabrochando no meio da testa, espinho de marfim, o chifre único que apontava ao céu.
Doce língua de unicórnio lambeu a mão que o retinha. A princesa estremeceu, afrouxou os laços da rede, o unicórnio ergueu-se nas patas finas.
Quanto tempo demorou a princesa para conhecer o unicórnio? Quantos dias foram precisos para amá-lo?
Na maré das horas banhavam-se de orvalho, corriam com as borboletas, cavalgavam abraçados. Ou apenas conversavam em silêncio de amor, ela na grama, ele deitado aos seus pés, esquecidos do prazo.
As três luas porém já se esgotavam. Na noite antes da data marcada o rei foi ao quarto da filha lembrar-lhe a promessa. Desconfiado, olhou nos cantos, farejou o ar. Mas o unicórnio comia lírios tinha cheiro de flor, e escondido entre os vestidos da princesa confundia-se com os veludos, confundia-se com os perfumes.
Amanhã é o dia. Quero sua palavra comprida, disse o rei- virei buscar o unicórnio ao cair do sol.
Saído o rei, as lágrimas da princesa deslizaram no pelo do unicórnio. Era preciso obedecer ao pai, era preciso manter a promessa. Salvar o amor era preciso.
Sem saber o que fazer, a princesa pegou o alaúde, e a noite inteira cantou sua tristeza. A lua apagou-se. O sol mais uma vez encheu de luz as corolas. E como no primeiro dia em que haviam se encontrado a princesa aproximou-se do unicórnio. E como no segundo dia olhou-o procurando o fundo de seus olhos. E como no terceiro dia aproximou a cabeça do seu peito, com suave força, com força de amor empurrando, cravando o espinho de marfim no coração, enfim florido.
Quando o rei veio em cobrança da promessa, foi isso que o sol morrente lhe entregou, a rosa de sangue e um feixe de lírios.
COLASANTI, Marina."Um espinho de Marfim". IN: Um Espinho de Marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM. p. 39,1999.
Luz de lanterna, sopro de vento
Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. "Para trazê-lo de volta," murmurou. E foi dormir.
Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. "Foi o vento da madrugada," pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.
À noite, antes de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância deveria indicar ao seu homem o caminho de casa.
Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger das argolas da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.
Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. "Na certa não ventará," disse em voz alta, quase dando uma ordem. E encostou a chama do fósforo no pavio.
Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas.
Assim foi durante muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância apagava.
Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe recortada contra a luz que lanhava em sangue o horizonte, a silhueta escura de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.
Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu marido que vinha.
Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou-lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.
Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. "Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir," disse-lhe quase ríspido. "Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas, como se me chamasse. "Só de madrugada depois que o vento sopra posso adormecer."
A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça.
"Deixe-me fazer o que tem de ser feito, mulher," disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pode sequer vê-lo afastar-se contra o céu.
A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálbebras do marido.
No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém que era tanto.
E, passado, num final de tarde em que a soleira da porta despedia-se da última luz no horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem à pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça, retendo o sorriso nos lábios- tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre a barba e o chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra.
Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar. Quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só entrou com a mulher. E fechou a porta.
COLASANTI, Marina."Luz de lanterna, sopro de vento ". IN: Um Espinho de Marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM. p. 39,1999.
BIBLIOGRAFIA SOBRE A AUTORA
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira, 1882/1982. São Paulo: Quíron, 1983. p.661-667.
CUNHA, Fausto. Sair da Floresta. In: Colasanti, Marina. Nada na manga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973. p.11-13.
PAIXÃO, Sylvia. Clarice Lispector e Marina Colasanti: Mulheres de Jornal. In: REZENDE, Beatriz (org.). Cronistas do Rio. Rio de Janeiro: J. Olympio: CCBB, 1995. p. 99-116.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário