18 de abril de 2009

As meninas dos Cabeludos, embora muitos não saibam, fazem parte da cultura açoriana.


por Gladis Maia
Como um presépio encantado
lá no alto edificado
é minha terra natal
... O rio aos seus pés curvado
mais parece um enamorado
que canta cantigas mil
... pudesse eu ser como o rio
Sempre, sempre a te beijar.
Ruth Saraiva


Quem chega à minha bela e antiga Triunfo, no alto dos seus dois século e meio de existência, navegando pelos rios Taquari e Jacuí, por certo se encanta com sua singeleza, como a poeta e jornalista Ruth Saraiva, que tão belamente a descreveu nos versos acima.

Em Triunfo, a origem açoriana inscreveu suas marcas nos casarões luso-coloniais, que convivem imponentes entre os prédios modernos, em ruas estreitas, por onde outrora trilharam seus filhos ilustres como: Bento Gonçalves da Silva, chefe da Revolução Farroupilha; Qorpo Santo, criador do Teatro do Absurdo; os escritores Marino Josetti de Almeida, José Luís Freitas, Fernando de Castro Freitas; e Olegário Triunfo que, nascido Vânius Olegário Machado, artista plástico de renome internacional, com orgulho fez questão de assinar sua obra, acrescentando ao nome artístico o do seu torrão natal.

Mas não é só de casarios que vive a tradição açoriana em Triunfo, na bagagem dos colonizadores veio junto a sátira incrementar a Festa do Momo.

No desfilar da tradição açoriana, que fala alto em nosso povo, no carnaval temos mais uma amostra de como se deu essa inscrição em nosso sangue. Inspirados nos blocos do Masquê - grupos de homens açorianos que aqui chegaram e brincavam fantasiados de mulher- há mais de 100 anos, os cidadãos aqui nascidos e alguns visitantes, divertem-se na folia da terça-feira de carnaval, à tarde, também travestidos de mulher. É o reinado do Bloco dos Cabeludos!

No início, sob o comando de um tio meu, Pedro Kersting, e seus amigos contemporâneos, o bloco carnavalesco chamava-se Pé de Anjo e tinha como ponto alto o preparo da carruagem que conduzia os noivos. Aliás, a única presença masculina era o privilegiado noivo, que com chuva, frio, sol ou calor, estava impecavelmente trajado a rigor, às vezes até de casaca.

O casal de noivos, até bem pouco tempo era característico. Lembro que um dos últimos noivos, um médico de nossa cidade, meu contemporâneo e amigo,Gaspar Volkweis, há cerca de 30 anos atrás, quase teve uma insolação, pois trajava um sobretudo, a título de casaca, em pleno 39º C... Então o escandaloso cortejo já se chamava Bloco dos Cabeludos.

Data de uns 20 anos, aproximadamente, o acréscimo de mulheres travestidas de homens, que com seus charutos, chapéus, pijamas, bigodes e cabelos presos desfilam encantadas ao lado dos marmanjões afeminizados.

Fui uma destas primeiras mulheres a brincar junto nos Cabeludos... De surpresa, sem pedir licença, invadimos o império machista povoado de tão estranhas mulheres... Depois de prepararmos - com roupas e maquiagem - os irmãos e amigos para a festa, nos empolgamos e... mãos à obra! Nos fomos!!! Lembro-me que desta vez fui com um pijama e chapéu do meu pai , com bigode e tudo... Custavam a me reconhecer. Fiquei muita parecida com um primo, Pedrinho Kersting, que teve também sua vez como uma bela noiva bigoduda, em tempos idos ...

Da mesma forma as crianças, há apenas uns 10 anos passaram a participar. Quando eu era criança, no fim da década de 50, início da de 60, só os homens maduros faziam parte do Bloco dos Cabeludos, além de serem considerados excêntricos... a participação era menor 50, 80, 100 pessoas, no máximo. E mesmo o público acompanhante era mais discreto: 100, 150 pessoas. Já neste último ano de 2009, mais de 500 elementos bagunçaram a cidade, que foi toda para as ruas assistir e participar do espetáculo.

Integram então o moderno Bloco dos Cabeludos: crianças, jovens, adultos e mesmo idosos, que acompanhados de um séqüito de fãs, seguem em folia, na sua escancarada alegria, pelas ruas da cidade, desembocando no Camping do Areal , ou num bar central. Isto depois do encontro num QG, que há cerca de 10, 15 anos, tem sede na casa de Roger Saraiva, presidente de honra do bloco, onde já começa a beberagem e a acudir o cortejo de fãs...

A entrada no Clube Comercial Centenário, durante o carnaval infantil, é obrigatória. Isto depois de já terem beijado, com muito baton vermelho vivo, é claro, todos os homens que encontraram pela cidade, especialmente os mais tímidos e sérios... Saem do Clube a beijar, beijar e beijar... Pulam, dançam e cantam muito, além de beber, também muito, tudo que lhes é fornecido nas casas que de assalto visitam... A lógica da escolha da Rainha, com faixa e tudo e vestido longo, geralmente é a seguinte: ou é muito bonita ou horrorozinha, as discretas não têm vez...

A alegria desponta com o raiar do dia, quando começam os preparativos. Os armários das irmãs, esposas, mães e amigas são atacados de assalto e acabam vindo abaixo, na procura do melhor traje. As perucas, os seios e as avantajadas bundas postiças, somam-se à maquiagem e aos adereços, tais quais brincos, pulseiras, lenços e bolsas que completam a performance.

Algumas preferem o ar antigo, outras o moderno, fashon... Há as escandalosas, as recatadas, as grávidas com um filho na barriga, um no colo e outro pela mão, como vimos o “Mão Preta”, num desses anos ... Há as belas e as belíssimas, geralmente parecidas com as irmãs ou mães.

Tem pobre, tem rica , tem remediada... Surgem as bailarinas, as ciganas, as menininhas, as jovens e as senhoras idosas... Todas num griteiro assanhado! Lembro-me de que, na década de 70, meu irmão Edinho personalizou um fotógrafo lambe-lambe, com máquina manufaturada por ele e com uns óculos onde estavam colados uns lindos e imensos olhos verdes, para quem as dondocas posavam durante o desfile inteiro...

Já nos anos 90, um conhecido cirurgião dentista, Maurício Volkweis, apresentava um sorriso estupendo, com uma dentadura que mal cabia na boca... A bem da verdade, não cabia, ficavam os dentes todos de fora, pois a boca não fechava o suficiente... O artefato foi também especialmente preparado para a ocasião, pelo próprio dentista... Era muito feia... Afinal, este é um bloco democrático, porque as feias e as horrorosas também têm lugar, porque tudo pode neste dia....

Homens sérios, que mal sorriem, trabalhando incessantemente o ano inteiro, esquecem a conta no banco, o escritório da empresa, e, sem medo de desmunhecar, caem na folia até que a noite venha, quando já embriagados, participam da eleição para a Rainha dos Cabeludos do ano seguinte...Venha a Triunfo no carnaval, pra comprovar o que lhes afirmo... É no mínimo divertido! Namastê!

7 de abril de 2009

As crianças precisam muito mais de modelos e de exemplos do que de críticas




Gladis Maia


A maioria dos pais prefere iludir-se de que amam a seus filhos por igual, o que é impossível. Podem até amá-los intensamente, mas considerando-se as diferenças individuais das crianças elas não podem ser amadas de maneira idêntica pela mesma pessoa.

Os pais gostam mais de um filho em determinado momento e de outro noutro, à medida que cada um vai atravessando os vários estágios de desenvolvimento. O triste é que toda criança sofre quando não é preferida.

Mas, felizmente, o desejo é gerador do pensamento e o pensamento gera a convicção, o que permite a criança sentir-se em ocasiões suficientes como preferida e isto bastará para que ela mantenha a convicção de que é a preferida pelo menos a maior parte do tempo.

É claro que isto só ocorrerá se o seu desejo de ser a preferida - ou pelo menos uma das mais estimadas - não for muito gravemente frustrado pelos pais.

Em algumas famílias os pais de fato não apreciam muito um filho ou outro e não se comportam de maneira a inspirar admiração amorosa. Ainda assim a vida é sábia e esse filho que não admira ao pai - e portanto não deseja imitá-lo - pode encontrar uma outra pessoa para respeitar a imagem de quem possa formar-se.

E mesmo os filhos que amam aos pais sem restrição, à medida que vão crescendo deixam de admirá-los com a mesma ingenuidade. Assim que vão ampliando suas relações, os pais vão parecendo-lhes menos perfeitos.

Mas o desejo de ser o(a) preferido(a) entre os irmãos - embora possa estender-se a professores e a alguns amigos - continuará a existir com toda a força, até que a criança atinja a maturidade.

Já aquela criança que não conseguiu adquirir autocontrole numa idade mais tenra seguindo o exemplo dos pais e se transformou num adolescente rebelde, ainda assim pode sentir-se impelido – por necessidade inconsciente – a encontrar um mestre a quem imitar e possa buscar e encontrar alguém indisciplinado.

Exemplos não nos faltam, quem não viu, pelo menos no noticiário, bandos de delinqüentes juvenis que admiram e copiam um líder anti-social, com desastrosos conseqüências para si mesmo e para a sociedade.

O certo é que mesmo quando um filho admira os pais, gosta deles e sente-se amado por eles e deseja imitá-los não é fácil obter autodisciplina. Muitos pais não são tão disciplinados assim e não podem oferecer uma imagem clara a esse respeito para que seus filhos possam imitar.

É preciso um número infinito de exemplos paternos de autocontrole e paciência para ensinar os valores deste tipo de comportamento e influenciar a criança a internalizá-los.

A aquisição de autodisciplina é um processo lento e contínuo, de pequenos passos e muitas recaídas.

Se pelo menos enquanto pais e professores – especialmente durante a Educação Infantil – lembrássemos como freqüentemente éramos indisciplinados e como foi duro, quando crianças, nos disciplinarmos...

Se lembrássemos como nos sentíamos cobrados, maltratados, quando nossos pais nos forçavam a agir de maneira disciplinada contra nossa vontade... Ah, certamente nossos filhos/alunos então estariam em situação bem mais cômoda, assim como nós, sem rixa, pelo menos. Teríamos muito mais paciência, compreensão e disponibilidade para tratar do assunto disciplina.

Quanto mais uma criança ama aos adultos que cuidam dela, mais passa a imitá-los e a internizar seus valores que influenciam suas ações, conscientemente ou não. Ao contrário, quanto menos os ama, mais negativamente reage na formação de suas qualidades.

Qualquer emoção que nos domine nos moldará tanto para o bem como para o mal. A criança pequena não distingue o moralmente bom ou ruim. O amor filial a induzirá a imitar os pais em suas qualidades e em seus defeitos.

Mesmo depois de adulto, quando muitos filhos esforçam-se por serem diferentes de seus pais, nos momentos em que a emoção prevalece vai agir, vai ser como aprendeu a sê-lo na sua mais tenra infância ....

Portanto, corrija-se, auto-discipline-se, não esqueça que é o espelho da criança com quem convive. Procure ser coerente, pensando e agindo em consonância com os valores que apregoa, para não “ajudar” a formar nenhum mau caráter ou psicótico, que se evada da realidade por não suportar o desamor e a incoerência das pessoas que ama. Pense nisto! Namastê!