15 de março de 2009

Ler é questionar o mundo e ser questionado por ele!



Gladis Maia

E quando falamos em leitor, não estamos referindo-nos a quem se limita a decodificar manuais ou a mascar chicletes do espírito, que ocupam o
sujeito¸ mas não trazem alimento algum.
Ana Maria Machado, in Contracorrente.


O investimento na formação do leitor será sempre uma declaração de crença na democracia e reafirmação na esperança de um futuro mais digno e humano. Na contramão da história, hoje são as crianças que lêem ou contam histórias aos adultos.

A família, embora se posicione a favor, não lê e interfere negativamente no trabalho de formação do leitor, ao privilegiar formas de lazer que, pensa ela, trazem maior prazer do que a leitura. Na verdade, somos todos – pais, professores, babás, avós, irmãos mais velhos... - responsáveis pela leitura, como somos responsáveis pelo nosso país.

No entanto pesquisas comprovam que o professor leitor-crítico é raridade. Podem ser invocadas as mais variadas razões: falta de salário digno, tempo escasso, desinformação, lacunas na formação profissional, mas a verdade é que a constatação da falência do sistema de ensino no Brasil passa, sem dúvida alguma, pela falta de familiaridade dos alunos e dos professores com o livro.

A maioria dos professores apenas lê – quando lê – aqueles livros relacionados com o exercício profissional, ou mais comumente cópias xerocadas de páginas desses, o que não constitui um leitor. Ser leitor pressupõe sempre a capacidade de desempenhar-se bem em múltiplas escritas e competência de ler entrelinhas.

A associação entre divertimento, entretenimento, prazer e livros para consumo é extremamente danosa à formação continuada do leitor. Não estou falando de que os livros não devem nos causar prazer, é claro que sim, mas somente prazer não adianta muito, é prostituir-se o sentido maior do ato da leitura.

Quanto já ouvimos falar de preferências por livros escolhidos pelo número de páginas, pelo colorido e quantidade das ilustrações, pelo enredo repetitivo e o final feliz, muita narrativa e nenhuma poesia e outros fatores relacionados à sensação de leitura prazerosa?

Basta observarmos quais os livros que se tornam best-sellers durante as feiras do livro, cuja maioria não passa de água com açúcar ou receitas para a felicidade, como se isto fosse possível ser prescrito ...

Infelizmente este estado de coisas está arraigado à cultura do nosso tempo: hedonista, egocêntrica, sensorial, imediatista e descompromissada. Nela o prazer é um fim em si mesmo. Nela a leitura desvincula-se de tempo e espaço que não seja o aqui e agora. Tudo converge para uma satisfação momentânea, que desconhece vínculos e diferenças.

É preciso divulgar a noção de que a leitura é trabalho, é atividade, é intervenção do leitor no texto produtivo. Exige empenho, atuação, persistência, vitória sobre desafios. Mas é também encontro de respostas para os problemas da vida, descoberta de que o mundo e o homem podem ser diferentes, é equipamento para a realização de uma trajetória de desafios historicamente estabelecidos.

Ler é exercitar todos os sentidos nesta busca e alimentar o imaginário na interação com as construções literárias inventadas a partir do real. Ler é conhecer, não apenas no sentido de acumular informações, mas de integrar-se à realidade do mundo e da interioridade. É buscar a capacidade de se propor utopias para depois persegui-las, enquanto se for vivo. E quando morrermos, que alguém continue a colher o que semeamos e entusiasmado recomece o plantio.

Nunca se publicou tanto na história da escrita como no século passado, mesmo com a entrada vitoriosa dos computadores na vida moderna, a escrita e a leitura continuam sendo ações indispensáveis ao desenvolvimento humano. No entanto, não tem crescido, proporcionalmente, o número de leitores críticos, com proficiência em textos complexos.

Numa ciranda perversa, o leitor formado ( ?) pela escola somente lê o que lhe cai graciosamente às mãos - geralmente textos com qualidade inferior ou duvidosa – e ainda se acredita um leitor competente. Ao deixar as salas de aula, a falta de exercício da leitura verbal reconverte-o em analfabeto e, muito tragicamente, em um cidadão que sabe ler, mas não lê.

Em paralelo, pesquisas, diuturnamente, dão conta de que entre os alunos egressos do sistema escolar a maior dificuldade apresentada, ao se defrontarem com um texto é interpretá-lo, quando não, simplesmente, entender o que dizem as palavras ali escritas.

Dito isto, tristemente concluímos que as salas de aula – na mais feliz das hipóteses, considerando-se os altos níveis de evasão e de repetência das escolas públicas, especialmente - tem sido apenas alfabetizadoras, isto é, capaz de dar a conhecer às crianças a correspondência entre o som e a letra.

As infinitas possibilidades semânticas das combinações entre o universo e a palavra ficam relegadas ao autodidatismo, ou ao desconhecimento total. Tomara que um dia - espero que seja em breve – autoridades de todos os níveis, federal, estadual e municipal – se dêem conta do quanto é necessário investir, e cobrar os resultados do investimento, nas áreas de formação, informação e atualização dos professores, assim como melhorar seus salários para que estes deixem de trabalhar 40 h, 60 h por semana (operários do saber, explorados, diga-se de passagem...) tenham mais tempo para ler, e, conseqüentemente para ensinarem a ler , de verdade... Pensem nisto! Namastê!

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