5 de dezembro de 2008

O que motiva o ato da leitura, num país de tantos iletrados?



Gladis Maia

“(...) sua motivação é quase sempre uma insatisfação,
um desequilíbrio provocado por causas inerentes à natureza humana (brevidade, fragilidade da existência) pelo confronto entre indivíduos (amor, ódio, piedade) ou pelas estruturas sociais (opressão, miséria, medo do futuro, tédio). Em suma, ele é um recurso contra o absurdo da condição humana.” Jean Foucambert in A criança, o professor e a leitura, 1998.


Qual o valor da leitura para os habitantes deste nosso país de tantos iletrados? Que dificuldades se apresentam ao candidato a leitor? Há facilidades que permitam um envolvimento mais rápido com a leitura? Estas e muitas outras questões se interpõem na doce-acre tarefa da formação de leitores, atividade que atravessa todos os níveis da escolaridade! Algumas com resposta incompleta e outras sem resposta ainda...

No nosso caso, como em muitos outros países, a responsabilidade pela aprendizagem da língua portuguesa escrita foi atribuída, pela sociedade, à escola. E ela vem cumprindo esse papel, com maior ou menor eficácia, alfabetizando o povo brasileiro em sua maioria. Ficam fora das estatísticas os atuais 9% de analfabetos que possuímos e as crianças alfabetizadas em casa, pela família.

Também os índices de analfabetismo funcional têm crescido rapidamente no Brasil e diversos fatores têm sido apontados como sua causa, desde a formação deficiente no período escolar, a baixa escolaridade, o desinteresse pela leitura na sociedade – causado sobretudo pelo desprestígio da escrita e do magistério – a concorrência entre a leitura e todos os meios de comunicação de massa, a onipresença do computador, a desvinculação criada entre o diploma e o sucesso em diversas carreiras, a criação artificial de ídolos semi-alfabetizados, o preço do papel e o os insumos necessários à impressão, que encarecem demasiadamente o livro, políticas equivocadas de incentivo à leitura e muitos outros.

Ao chegar a Escola a criança já tem a consciência da importância do seu desempenho lingüístico oral para comunicar-se e interagir com os colegas. Portanto, já conhece algumas regras básicas da linguagem, que a constitui enquanto sujeito e participante de relações com iguais. Já domina, intuitivamente, uma série de normas e procedimentos lingüísticos que a auxiliarão a penetrar no reino das palavras em sua representação escrita, embora esta modalidade de linguagem não seja a transcrição da oral, possuindo suas leis próprias, que devem ser exercidas e exercitadas para que esta aprendizagem se concretize.

A presença da literatura entre as tarefas da escola produz um contínuo questionamento a respeito de estratégias para levar os alunos aos textos, sobre as técnicas de leitura, diversidade dos textos e desenvolvimento de estreitas relações de curiosidade, desempenho e satisfação, na sua práxis.

A atuação da escola na formação de leitores de primeiras letras pode resultar num acréscimo significativo de valores humanos, sociais, econômicos, científicos, filosóficos, sociológicos, psíquicos, artísticos e tantos outros.

A iniciação da criança nas habilidades da leitura abre-lhe portas ao conhecimento. Sua competência, adquirida nas trocas que enquanto leitor ela realiza, aperfeiçoa-se ao longo da vida e pode mantê-la conectada a toda produção do pensar, do agir e do criar, realizada pela humanidade e registrada em formato de textos escritos, sem contar que essa aprendizagem ajuda a construir a consciência e atitudes eficazes na vida do sujeito ao longo de sua vida.

Evidentemente que não se formam leitores com leituras cartilhescas, exercidas sobre textos construídos com a finalidade de servir de apoio a atividades e exercícios e que apresentam uma construção fragmentada, de frases sem coerência e sem sentido, narrativas primárias que nada dizem ao imaginário infantil, nem respondem às expectativas desse público.

Deixemos nossas crianças sonharem, viajarem pelo mundo da fantasia, pelo menos enquanto lêem. Já basta que a escola, enquanto instituição destinada à escolarização exige demais delas, com seus horários rígidos, com a natureza e o volume exaustivos de trabalho, com seus diversos saberes e competências a serem adquiridos, com seus processos de seleção e avaliação muitas vezes rigorosos, meios estes que podem ser suavizados, mas não extintos, porque é da essência mesma da escola, pois são processos que a instituem e a constituem.

Foucambert localiza o problema da falta de leitura na sociedade contemporânea mais no iletramento do que no analfabetismo, porque mesmo nas sociedades industrializadas onde há um avanço na escolaridade universalizada, crescem, assustadoramente, os índices de analfabetismo funcional. Ou seja, tão logo sai da escola, ou ainda nela, em poucos anos, leitores /escritores perdem a capacidade de fazer até mesmo uma simples correspondência entre o oral e o escrito.

Estamos vivendo sob o império da incultura da escrita, reinam o desconhecimento tanto do que ela produz e transforma, como dos meios de ter acesso a ela e dela participar. O que será que se tem feito aos indivíduos – criança ou adulto, operário ou professor, analfabeto ou alfabetizado ágil - para que eles sejam tão resignados com que as coisas continuem como estão, tão persuadidos de que elas não poderiam ser diferentes, de que não há nada por compreender, nada por mudar, nada por criar de diferente, nada por buscar do outro lado do espelho para que o mundo se transforme?

Alguém tem uma resposta, ou cura, para esta epidemia de insatisfação contida?

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