8 de junho de 2011


Augusto era uma figura extremamente sensível, introspectivo, triste, era capaz de açambarcar a dor de alguém e fazer dela a sua dor. Sua figura singela, seu jeito excêntrico de pássaro molhado, com medo da chuva, enternecia, talvez devido à sua meninice sem encantos.

No dia 20 de abril de 1884 um corvo gralhava, enquanto nascia o poeta Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos. Foi no Engenho Pau D’Arco, Vila do Espírito Santo na Paraíba, e o corvo na verdade era uma graúna, ave típica daqueles lados. Nascido de uma família de proprietários de engenho, e alimentado com leite de escrava, Augusto assiste, nos primeiros anos do século XX, tempos de sua adolescência, ao mundo que o cercava ruir-se, a decadência da antiga estrutura latifundiária, substituída pelas grandes usinas, a crise abolicionista e a Guerra do Paraguai, conseqüentemente, o fim da monarquia.
Pelo lado materno, Augusto descende dos senhores rurais, antigos latifundiários; e pelo lado paterno, da cultura erudita, filho de um pai de ideais abolicionistas e republicanas, versado em letras clássicas, atualizado com a cultura de seu tempo, leitor de “Spencer” e até de “Marx”.
O próprio pai foi seu preceptor. Dele e de seus irmãos, ensinando-lhes desde as primeiras letras, exames preparatórios, e, até Direito.
Em 1903, matricula-se na Faculdade de Direito de Recife. Cursou no regime de exame vago. Augusto era o grande ausente, mas não era desconhecido entre seus colegas. Suas primeiras poesias publicadas no “O Comércio”, da Paraíba, despertaram a atenção. Histérico, neurastênico, desequilibrado, era o tipo de julgamento a que Augusto teria que se acostumar. Na Paraíba foi chamado de “Doutor Tristeza”. Formou-se em 1907. Retornou à capital paraibana, onde lecionou Literatura Brasileira.
Casou-se em 1910, com Ester Fialho. Com ela, teve três filhos, sendo que o primeiro morreu prematuramente.
Nesse ano é afastado do cargo de professor do Liceu Paraibano por desentendimentos com o governador. Decepcionado com o ambiente da Paraíba, muda-se para o Rio de Janeiro e dedica-se ao magistério dando aula como professor substituto de Geografia, Cosmografia e Corografia do Brasil no Ginásio Nacional e ainda dava aulas particulares em diferentes bairros.
A juventude de Augusto dos Anjos foi passada na época de grandes escritores e poetas, donde se tem conhecimento da expansão do movimento literário em nosso país, onde figuras de renome tais como Olávio Bilac, Cruz e Souza, Alberto de Oliveira, Graça Aranha (época de lançamento do livro Os Sertões de Euclydes da Cunha), Raimundo Corrêa, Vicente de Carvalho. E entre esses grandes nomes, que em 1912 Augusto dos Anjos lança seu único livro entitulado EU.
 Entre admiradores que foram de início, poucos e críticos, Augusto chegou fazendo muito barulho, descobrindo por fim a crítica, que nasceu após o lançamento de sua obra, ao inovar com suas idéias modernas, onde a tendência à morbidez, à volúpia estranha e uma tensão quase sádica, se fazia presente a cada poema...
Augusto se apóia nos termos e palavras duramente científicas, e, ao contrário dos poetas latino-americanos, não possuía obsessão das palavras suaves e nem das vogais sempre doces. Não foi sem motivo que ficou conhecido como o Poeta da Morte!
Amava o pai, o pé de tamarindo do engenho onde nasceu, os livros... Mas não faz alusão tropical em que vivia em nenhuma de suas poesias. Sua instrospecção o levava a ficar horas esquecidas debaixo do seu pé de tamarindo, a pensar, a divagar. Seria abstração? Com que sonharia Augusto? Era como se sua alma estivesse ausente, lá bem longe a buscar os encantos da mocidade, a buscar a felicidade que ele não conhecia! Augusto dos Anjos é um poeta único em nossa literatura.
Em 1914 transferiu-se para Leopoldina, Minas Gerais, para assumir a direção do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. Leopoldina seria para ele algo estupendo, maravilhoso o próprio Nirvana. Depois de viver cinco meses em seu novo lar, ele falece aos 12 de novembro de 1914, após dez dias de sofrimento com pneumonia dupla. Ele tinha apenas 30 anos de idade. Deixou a viúva D. Ester e os filhos Glória e Guilherme.
Em 1920 saiu a 2ª edição do “EU” graças à qual o poeta começou a penetrar os meios do leitor comum quando foram vendidos 5.500 exemplares, sendo que 3000 em apenas 15 dias. Hoje, mais de 30 edições comprovam Augusto dos Anjos como um dos grandes poetas brasileiros, patrimônio nacional.

Cronologia: 
1884 : Nasce Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos, no engenho Pau d’Arco, vila do Espírito Santo, Paraíba, a 20
de abril.
1900 : Matricula-se no curso de Humanidades do Liceu Paraibano. Conhece Santos Neto e Órris Soares ( tio avô
de Jô Soares), de quem se torna amigo. Publica o primeiro trabalho, o soneto " Saudade " , no Almanaque do
Estado da Paraíba.
1901 : Inicia sua colaboração no jornal O commercio, na capital paraibana.
1903 : Ingressa na Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco.
1904 : Publica no jornal "O commercio" o célebre soneto "Vandalismo" .
1905 : Morre seu pai, Alexandre Rodrigues dos Anjos, a 13 de janeiro.Seis dias depois publica os três sonetos "A meu pai doente", "A meu pai morto", "Ao sétimo dia do seu falecimento".
1906 : Publica no jornal "O Commercio" seu soneto mais famoso "Versos íntimos".
1907 : Conclui o curso de Direito.
1908 : Leciona Literatura no Liceu Paraibano, como professor interino.
1909 : Inicia sua colaboração no diário oficial do Estado, "A União".
1910 : Casa-se com dona Ester Fialho, a 4 de julho. Transfere-se para o Rio de Janeiro, em outubro desse ano.
1911 : Nasce morto seu primeiro filho, a 2 de fevereiro. Leciona Geografia na Escala Normal, como professor
interino, e também no colégio Pedro II
1912 : Publica o livro EU, custeado pelo seu irmão Odilon, pelo total de 550.000 réis em tiragem de 1000 exemplares. O livro é recebido com grande impacto e estranheza por parte da crítica, que oscila entre o entusiasmo e a repulsa. Nasce sua filha, Glória.
1913 : Nasce seu filho Guilherme.
1914 : É nomeado diretor do grupo escolar Ribeiro Junqueira, em Leolpoldina, Minas Gerais, a 1o. De julho. Muda-se para Leolpoldina, em 22 do mesmo mês. Morre a 12 de novembro.
1920 : Publica-se Eu e Outras Poesias: reedição do EU, completado com uma coletânea de versos póstumos, Outras Poesias, organizados pôr Órris Soares, também prefaciador do volume.
1928 : Lançamento da terceira edição de suas poesias, pela livraria Castilho do Rio de Janeiro, com extraordinário sucesso de crítica e público.

Augusto dos Anjos publicou apenas um único livro "Eu", publicado em 1912.


TEXTOS DE
Eu e Outros Poemas
Augusto dos Anjos
  
A ILHA DE CIPANGO
Estou sozinho! A estrada se desdobra
Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderme finíssima de areia...
E por essa finíssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podridão, passeia!
A agonia do sol vai ter começo!
Caio de joelhos, trêmulo... Ofereço
Preces a Deus de amor e de respeito
E o Ocaso que nas águas se retrata
Nitidamente reproduz, exata,
A saudade interior que há no meu peito...
Tenho alucinações de toda a sorte...
Impressionado sem cessar com a Morte
E sentindo o que um lázaro não sente,
Em negras nuanças lúgubres e aziagas
Vejo terribilíssimas adagas,
Atravessando os ares bruscamente.
Os olhos volvo para o céu divino
E observo-me pigmeu e pequenino
Através de minúsculos espelhos.
Assim, quem diante duma cordilheira,
Pára, entre assombros, pela vez primeira,
Sente vontade de cair de joelhos!
Soa o rumor fatídico dos ventos,
Anunciando desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos...
E ao longe soam trágicos fracassos
De heróis, partindo e fraturando os braços
Nas pontas escarpadas dos rochedos!
Mas de repente, num enleio doce,
Qual se num sonho arrebatado fosse,
Na ilha encantada de Cipango tombo,
Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha
A árvore da perpétua maravilha,
À cuja sombra descansou Colombo!
Foi nessa ilha encantada de Cipango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Rica, ostentando amplo floral risonho,
Que Toscanelli viu seu sonho extinto
E como sucedeu a Afonso Quinto
Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!
Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O gênio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio...
Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
E em cada rocha um cristalino veio.
Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos,
E finalmente me cobri de flores...
Mas veio o vento que a Desgraça espalha
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!
Desde então para cá fiquei sombrio!
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade
E as grandes golpes arrancou as raízes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade!
Invoco os Deuses salvadores do erro.
A tarde morre. Passa o seu enterro!...
A luz descreve ziguezagues tortos
Enviando à terra os derradeiros beijos.
Pela estrada feral dois realejos
Estão chorando meus amores mortos!
E a treva ocupa toda a estrada longa...
O Firmamento é uma caverna oblonga
Em cujo fundo a Via-láctea existe.
E como agora a lua cheia brilha!
Ilha maldita vinte vezes a ilha
Que para todo o sempre me fez triste!

A LOUCA
Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário da mágoa sepultada.
Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d'amor misterioso
- O segredo d'um peito torturado -
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - o coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

A LUVA
Para o Augusto Belmont
Pensa na glória! Arfa-lhe o peito, opresso.
- O pensamento é uma locomotiva -
Tem a grandeza duma força viva
Correndo sem cessar para o Progresso.
Que importa que, contra ele, horrendo e preto
O áspide abjeto do Pesar se mova!...
E só, no quadrilátero da alcova,
Vem-lhe à imaginação este soneto:
"A princípio escrevia simplesmente
Para entreter o espírito... Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propulsão consciente.
Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente,
Durante as vinte e quatro horas o dia!
Riam de mim, os monstros zombeteiros.
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre...
Tenha a sorte de Cícero proscrito
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!"
Nisto, abre, em ânsias, a tumbal janela
E diz, olhando o céu que além se expande:
"- A maldade do mundo é muito grande,
Mas meu orgulho ainda é maior do que ela!
Quebro montanhas e aos tufões resisto
Numa absoluta impassibilidade",
E como um desafio à eternidade
Atira a luva para o próprio Cristo!
Chove. Sobre a cidade geme a chuva,
Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo,
E na suprema convulsão o doudo
Parece aos astros atirar a luva!

 VOZES DA MORTE
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte, inda teremos filhos!

VOZES DE UM TÚMULO
Morri! E a Terra - a mãe comum - o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!
Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!
No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta...
Hoje, porém, que se desmoronou
A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!

BIBLIOGRAFIA SOBRE O AUTOR
GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos. Toda a poesia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
REIS, Zenir Campos. Augusto dos Anjos. São Paulo: Abril Educação, 1982.

Fonte: página de Beatrix
http://www.beatrix.pro.br/literatura/anjos.htm

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